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Saúde no Brasil: a evolução das políticas e os debates do sistema de saúde nas últimas três décadas

Linha do Tempo lançada em: 05/08/2021

Nesta linha do tempo, passamos pelos principais acontecimentos da saúde no Brasil a partir da redemocratização. Acompanhamos os debates que levaram à criação do maior sistema público de saúde do mundo, bem como os seus constantes desafios. Detalhamos momentos importantes no combate a epidemias, a criação do arcabouço regulatório e as complexas relações de financiamento e gestão.

As conquistas e desafios de um direito universal

Passados mais de trinta anos da promulgação da Constituição de 1988, os desafios da saúde no Brasil — bem como os de seu sistema público, gratuito e universal — permanecem complexos. É preciso considerar, antes de mais nada, que a saúde tem uma característica particular, que influencia de modo crucial as políticas públicas: embora seu orçamento seja necessariamente finito, a demanda é infinita e por vezes imprevisível. Assim, debates em torno da alocação de recursos ou da gestão do sistema são constantes e conflituosos. 

O Brasil é um país com dimensões continentais, com expressivas disparidades econômicas, sociais, sanitárias, demográficas e culturais, e uma população de mais de 200 milhões de habitantes. Nosso sistema de governo é federativo, composto por 26 estados, Distrito Federal e 5570 municípios — sendo que estes se tornaram entes federativos, com autonomia política, financeira e administrativa, a partir da atual Constituição.

O processo de criação do sistema de saúde do Brasil está relacionado com a redemocratização e com a própria reconfiguração da Federação brasileira. Hoje, o SUS opera em todos os municípios do país e, mesmo com suas muitas deficiências, representa um significativo avanço em relação ao cenário anterior a 1988.

Saúde no Brasil: Movimento da Reforma Sanitária

A história da criação do SUS está conectada ao Movimento da Reforma Sanitária, de meados da década de 1970. A saúde pública foi, na época, um dos eixos da luta e da resistência contra a ditadura militar. Os sanitaristas foram capazes de conciliar diferentes correntes e orientações políticas em torno de um objetivo único — o acesso gratuito e integral de todos os cidadãos aos serviços de saúde.

Até então, a saúde era vinculada ao Instituto de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), sendo os serviços assegurados apenas a quem contribuísse. Em 1986, a 8ª Conferência Nacional de Saúde acolheu os princípios do projeto sanitarista, abrindo caminho para sua consolidação na Assembleia Nacional Constituinte.

A criação do Sistema Único de Saúde no Brasil

A criação do SUS põe em prática uma política federal de caráter descentralizador, que, conjugada à gratuidade e universalidade, o torna o maior sistema público de saúde do mundo. À União cabe o papel primordial de regulador, estimulador e avaliador das atividades de saúde. Estados e municípios têm a responsabilidade de planejar e executar os serviços que atendem às populações locais. Assim, os três entes federativos, em vez de concorrer, trabalham juntos.

Os serviços de saúde são oferecidos, de forma articulada e complementar, por quem está na ponta, de onde se enxergam melhor as reais necessidades dos cidadãos. E a execução é mista: o serviço é prestado tanto pela rede pública como pela filantrópica e privada.

A interação entre as esferas pública e privada — bem como a cooperação entre União, estados, municípios, entidades regulatórias e legisladores que disciplinam suas relações  — é uma inesgotável fonte de conflitos. O sistema, desde o início, foi pensado com base na cooperação entre atores diversos, todos eixos indispensáveis para sua concretização.

Outros princípios caracterizam o sistema brasileiro. Um deles é a possibilidade de participação social, através de conselhos, que acompanham, criticam e apoiam a gestão da saúde. Também a integralidade: uma atenção à saúde que abrange desde a promoção e a prevenção, passando pela redução dos casos de doenças e chegando até a reabilitação. 

Uma política descentralizada

Analisar a história da saúde pública no Brasil é observar políticas de Estado concretizando-se em um contexto federativo. As diretrizes gerais de governos federais específicos, bem como a atuação do Ministério da Saúde em determinado período, estão por vezes condicionadas à capacidade de coordenação com os governos estaduais e municipais. E todos, por sua vez, respondem a um modelo de desenvolvimento econômico e social. 

Se a Constituição de 1988 e as leis do SUS que se seguiram (Lei n. 8.080 e Lei n. 8.142, de 1990) fundam o sistema, estabelecendo as regras do modelo brasileiro de atendimento à saúde, sua implementação se dá de maneira gradual, por meio de um processo contínuo e composto por múltiplas etapas, sob o pano de fundo de disputas políticas e articulações de interesses de diferentes segmentos da sociedade. 

Como tarefa primordial do Estado, a saúde é tão desafiadora quanto importante. Nas últimas décadas, passamos por embates sobre modelos de atendimento, por reformas administrativas em todos os níveis de governo, por legislações complementares, por dilemas do financiamento, por abrangentes campanhas de prevenção e controle de doenças, por sucessos e fracassos no enfrentamento de problemas sanitários. Nesta linha do tempo procuramos recontar alguns dos principais momentos desta trajetória — conhecê-la melhor é uma forma de se conectar com um tema que diz respeito ao futuro do país e a todos nós. 

Linha do tempo


Governo Sarney1985 1990

Durante o governo Sarney, definiu-se um dos pilares da saúde pública brasileira. A Constituição Federal de 1988 estabelece o compromisso de um atendimento à saúde gratuito, integral e universal,  diferente do modelo anterior, baseado no seguro social. O novo modelo de política pública é resultado de uma série de movimentos que ocorreram no período, com destaque para o debate, liderado por médicos sanitaristas, em torno da necessidade de reformas estruturais profundas na saúde. Esse debate culmina nas resoluções da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986. No mesmo ano, cria-se a Comissão Nacional da Reforma Sanitária, que se encarrega de desenvolver tecnicamente as resoluções da conferência. 

Destacam-se também neste período algumas iniciativas para o enfrentamento de doenças que afetam a população brasileira. É lançada, em 1985, a primeira edição do Guia de Vigilância Sanitária, um amplo manual que orienta gestores de saúde. Um programa nacional estabelece diretrizes para lidar com a epidemia da aids. E o país vence a poliomielite, depois de décadas, graças à ação do governo e da sociedade civil.

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Governo Collor1990 1992

Durante este período, acompanhamos a regulamentação do novo Sistema Único de Saúde. No primeiro ano do governo Collor, duas leis orgânicas de saúde estiveram na pauta. A Lei nº 8.080 seguiu para aprovação no Congresso com diversos vetos do presidente, principalmente nos temas ligados ao financiamento, à participação popular e ao controle social do SUS. A posição do governo não foi bem recebida por atores da sociedade civil, autoridades locais de saúde e do movimento sanitário, cuja pressão resultou no retorno dos temas em uma segunda lei, a de nº 8.142.

Conflitos internos inerentes à reforma em curso apareceram. Em 1991, uma Norma Operacional Básica do SUS é editada pelo Inamps, seguindo ainda sua lógica de assistência médica, tendo a doença como referência, com os provedores dos serviços recebendo aportes financeiros de acordo com o volume de produção, processo que reduz a autonomia dos municípios. 

Destaca-se no período a criação do Programa Agentes Comunitários de Saúde.

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Itamar Franco1992 1995

Durante o governo Itamar Franco, observa-se uma retomada de iniciativas que avançassem no processo de descentralização, marcadas nas discussões da 9ª Conferência Nacional de Saúde e pela publicação da nova Norma Operacional Básica do SUS, em 1993, a primeira a romper com a lógica do Inamps. 

No que se refere ao combate a doenças, destacam-se o Plano Nacional de Eliminação do Sarampo e o lançamento do Projeto Aids I, que é um acordo com o Banco Mundial. É lançado o Programa de Saúde da Família (PSF), como parte de uma estratégia de reestruturação do modelo assistencial do SUS, visando o aprofundamento da municipalização.

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Governo FHC1995 2003

Os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso foram palco de movimentos estruturantes do sistema de saúde brasileiro. A Norma Operacional Básica 96 (NOB 96), e a Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS) são editadas, contribuindo para o avanço da descentralização do SUS. Destacam-se também a criação da CPMF e, posteriormente, a aprovação da Emenda Constitucional nº 29, que define mais claramente a participação das três esferas de governo no financiamento do SUS, estabelecendo percentuais mínimos de suas receitas a serem aplicados em ações e serviços públicos de saúde. 

São criadas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para qualificar a gestão e a atuação do Brasil na área, e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), atendendo a determinação da Lei dos Planos de Saúde. O período é marcado por intensos debates relativos à saúde suplementar e à regulamentação dos planos de saúde. 

A aprovação do Piso de Atenção Básica (PAB), um repasse regular e automático de recursos federais, fez com que iniciativas como o Programa Saúde da Família fossem impulsionadas. Destacam-se também o Projeto para Redução da Mortalidade Infantil (PRMI), no âmbito do Programa Comunidade Solidária, a intensificação das medidas de combate ao consumo de cigarros e a aprovação da Lei nº 9.313, que determina a distribuição gratuita, aos portadores de HIV/Aids, do tratamento de antirretrovirais (ARV).

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Governo Lula2003 2011

O primeiro mandato do presidente Lula se inicia com a antecipação da 12ª Conferência Nacional de Saúde, marcando uma tentativa de retomada das diretrizes da Reforma Sanitária. Diversas políticas de saúde foram definidas, influenciadas pela agenda social de seu governo, como a Política Nacional de Saúde Bucal, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da População Negra. 

Em 2006, é divulgado o Pacto pela Saúde, um acordo entre gestores dos três níveis de governo, que assumem compromissos mútuos com relação às metas para a saúde da população, buscando equidade social. Destacam-se também o Programa Farmácia Popular do Brasil, visando ampliar o acesso a medicamentos, a Implantação das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), o principal componente de urgência pré-hospitalar, e a formulação das Redes de Atenção à Saúde (RAS), objetivando a superação da fragmentação existente na assistência médica. 

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Governo Dilma2011 2016

Durante o governo Dilma, verifica-se um esforço de continuidade com relação às políticas de saúde ligadas a uma agenda social, como a criação da Rede de Atenção Psicossocial, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança e o Programa Mais Médicos, que visa suprir a carência de médicos em regiões de difícil acesso. A Lei nº 8.080, de 1990, é finalmente regulamentada, e detalham-se aspectos do SUS, como a disposição acerca de seu modelo assistencial, que deve ser focado na atenção primária.

O governo, no entanto, enfrentou um período de fragilização, com grandes manifestações de rua em 2013, e de oposição às suas  pautas no Congresso. Houve uma redução na participação da União na despesa pública. No período é aprovada a Lei nº 13.097, que altera a Lei Orgânica da Saúde e permite a abertura ao capital estrangeiro nas ações relativas à saúde, medida apoiada por hospitais privados, operadoras de planos de saúde e empresas do setor farmacêutico.

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Governo Temer2016 2019

O breve período em que Temer ocupou a presidência foi marcado por uma aproximação com setores do empresariado da saúde, nacionais e internacionais. A saúde, que já vinha sendo historicamente subfinanciada, enfrenta uma nova restrição orçamentária, provocada pela PEC do Teto de Gastos Públicos, a qual estabelece que as despesas primárias do governo federal serão apenas ajustadas pela inflação ao longo de 20 anos, a partir de 2017, que passam então a ser apenas corrigidas pela inflação acumulada.   

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Outros materiais do Acervo

Zé Gotinha e FHC — Campanha Nacional de Imunização

Brasília (DF), 05/02/1997. Autor: Getúlio Gurgel

9ª Conferência Nacional de Saúde

Brasília (DF), 08/1992. Autoria: N/I

Reunião do Conselho Nacional de Saúde

Brasília (DF), 05/02/1997. Produtor/Instituição: Presidência da República - Secretaria de Imprensa e Divulgação

Linhas do Tempo: Saúde no Brasil: a evolução das políticas e os debates do sistema de saúde nas últimas três décadas

Autoria: Isabel Penz Pauletti
Revisão técnica: Gabriel Santana Machado e Fernando Abrucio